A veracidade da narrativa bíblica

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Ideias que atacam a veracidade da Bíblia existem há muito tempo e, felizmente, já foram melhor compiladas do que as apresentadas rotineiramente nas redes sociais e que despertam a atenção de grande número de leigos. No entanto, a maioria das ideias que os "ateus práticos" [1] nos trazem são oriundas de um movimento de estudo bíblico mais antigo que chamamos de "hipótese literária" ou  "hipótese documentária", ou ainda, "Alta Crítica". O propósito desse artigo é que entendamos um pouco sobre da história deste movimento e de seu grupo de apologetas.

Nos séculos XVII e XIX, começou a despontar, na Alemanha, uma nova forma de pensamento chamada "Racionalismo", que entende como único conhecimento verdadeiro aquele que pode ser averiguado cientificamente. Um detalhe a ser observado é que os métodos tidos - inclusive hoje - como "científicos", também partem de pressupostos de fé e não são isentos de influência e direção humana, como pensam a maioria dos pesquisadores. Neste período, as universidades alemãs começaram a pesquisar os livros bíblicos seguindo os mesmos protocolos que utilizavam para pesquisar outros tipos de literatura antiga. Como não poderia deixar de ser, os críticos alemães estavam carregados de pressupostos e, definitivamente, qualquer categoria de pressuposto influencia o resultado de qualquer pesquisa. Os pressupostos destas investigadores eram os seguintes:

a) A Bíblia não era um livro especial e inspirado por Deus, portanto, não passava de um documento com histórias fictícias e mitológicas sobre milagres e acontecimentos prodigiosos.

b) A veracidade da teoria do filósofo Hegel sobre o processo evolutivo que a religião dos hebreus seguiu, isto é, a teoria de que no princípio, Israel tinha uma religião politeísta que passou por transformações ao longo do tempo até culminar no monoteísmo.

Baseando-se nesses pressupostos (que são ideais humanas pré-concebidas) sem critério algum de análise verificativa, os "críticos racionalistas desenvolveram a teoria de que o Pentateuco não foi escrito por Moisés, mas é uma recompilação de documentos redigidos, em sua maior parte, no século V a.C." [2].

Quem iniciou esta teoria foi um professor de medicina de Paris chamado Jean Astruc que, notando que em certos lugares de Gênesis a palavra para nomear Deus era Jeová, e em outros locais do mesmo livro, a palavra usada para fazer referência a Deus era Elohim, concluiu que Moisés utilizou fontes literárias diferentes para compor o primeiro livro das Escrituras. Soma-se a isso o fato de que, mais tarde, estudiosos atentaram para "repetições" de certas narrativas (ex: Gn 6.19 e 7.2; comparação entre Gn 1.1 - 2.4 e 2.4 - 2.25), diferenças de estilo literário e o que eles chamaram de "discrepâncias" no texto bíblico.

No final do século XIX, os críticos uniram os dois pressupostos descritos acima para formular a base fundamental da Alta Crítica (base firmada por Julius Wellhausen e Karl H. Graf, no que ficou conhecida como "hipótese Graf-Wellhausen"). Desta forma, pensaram na teoria da evolução da religião hebréia como o motivo para a existência de diferentes documentos de diferentes épocas que compunham o Pentateuco. Também utilizaram esta forma de pensamento para datarem a "provável" redação destes documentos "de modo que estabeleceram datas segundo a medida de desenvolvimento religioso que eles imaginavam" [2] para Israel. Por exemplo, se determinado livro ou parte dele parece evidenciar uma teologia mais abstrata, a Alta Crítica posiciona sua redação numa data posterior alegando que a religião dos israelitas, segundo a teoria de Hegel sobre a evolução da religião hebréia, foi se tornando cada vez mais complexa. Wellhausen e Graf denominaram os supostos documentos da seguinte maneira:

a) Documento Javista (J) - Documento mais antigo, redigido na época de Salomão e que utilizava o nome Jeová para referir-se a Deus. Redigido provavelmente por volta de 950 a.C.

b) Documento Eloísta (E) - Teria sido escrito depois do primeiro documento (provavelmente por volta do século VIII a. C.). Designa para Deus o nome de Elohim.

c) Código Deuteronômico (D) - Teria sido escrito pelos sacerdotes na época do reinado de Josias (2 Rs 22.8) para promover um reavivamento religioso. Consistia em todo o livro que chamamos de Deuteronômio.

d) Código Sacerdotal (P) - Provavelmente foi formulado durante o cativeiro babilônico e foi o carro chefe para a confecção do Pentateuco. Este documento trata de assuntos referentes ao culto religiosos, normas litúrgicas etc.

Dessa forma, os estudiosos que pertenciam à Alta Crítica, entenderam que o Pentateuco era uma compilação, uma edição destes documentos (J, E, D e P) e que a obra teria sido acabada no século V a.C., provavelmente por Esdras. Como podemos ver, todas as datas propostas pela Alta Crítica para a redação dos cinco primeiros livros da Bíblia são muito posteriores às datas alegadas (implicitamente) pela própria Bíblia para a redação de tais livros. Porém, na segunda metade do século XX, este ponto de vista sucumbiu às evidências arqueológicas e a melhores averiguações literárias tornando-se claro o fato de que "todos os documentos citados continham textos muito mais antigos, alguns dos quais do tempo de Moisés" [3], de modo que "hoje em dia, aqueles que defendem a hipótese documentária acreditam que os escritores de J, E, D e P não foram autores mas sim editores que reuniram e organizaram textos mais antigos" [3].

Neste ponto, ao analisarmos as evidências da Alta Crítica para suas alegações racionalistas, verificamos a ingenuidade de tais estudiosos e a falta de seu compromisso sério para com a verdadeira investigação científica, que envolve, primeiramente, uma análise crítica das premissas a serem utilizadas na investigação.

a) Os relatos "duplicados e contraditórios" que os críticos identificam no Pentateuco podem ser explicados como extensões, ampliações de enunciados previamente redigidos (recurso literário utilizado até hoje por todos nós). Um exemplo disso seria os relatos da criação dos dois primeiros capítulos de Gênesis. Ora, o primeiro relato apresenta panoramicamente o ato criativo de Deus e o segundo nos traz um relato mais focado na criação do homem sendo, portanto, mais detalhado. Ambos os relatos se completam e em momento algum se contradizem. (É de se espantar que os estudiosos que defendem a hipótese documentária baseiem-se em tão fracas proposições).

b) As diferenças de linguagem e estilos literários podem ser explicados pela ênfase que Moisés quis proporcionar em determinado livro (novamente, óbvio). Também devemos considerar o fato de que Moisés valeu-se de fontes literárias para a composição de seus livros. Tais fontes podem ser facilmente distinguidas em Gn 5.1 e Nm 21.14, entretanto, a pesquisa em outras fontes é explicitamente validada teologicamente pela ortodoxia como método pelo qual Deus moveu e inspirou seus autores (veja Lc 1.1-4).

Considerar Moisés como autor do Pentateuco "corresponde a afirmar que ele foi sua fonte e autoridade fundamental e que, em sua maior parte, os livros do Pentateuco foram redigidos originalmente no tempo de Moisés e nas formas que existem hoje [...]. Profetas inspirados posteriormente que sucederam Moisés na mediação da palavra de autoridade de Deus (cf. Dt 18.15-20), atualizaram o texto em termos linguísticos e históricos e acrescentaram conteúdo, como Gn 36.31 e o relato da morte de Moisés (Dt 34.1-12)" [3]. Contudo, como já vimos, a pesquisa literária empreendida pelos autores bíblicos e guiada por Deus não invalida, de maneira nenhuma, a doutrina da inspiração das Escrituras.

Além das frequentes acusações ateístas baseadas na hipótese documentária, a maravilhosa ciência arqueológica tem sido em vão utilizada para desmerecer a veracidade dos relatos bíblicos. No entanto, qualquer pessoa com o menor interesse pela verdade irá pesquisar e concluir que, ao contrário do que pregam ateus descompromissados com a verdade, a arqueologia têm, principalmente no último século, amparado e comprovado todo o relato bíblico, vetero e neotestamentário, como nos mostra um artigo traduzido pelo teólogo Elvis Brassaroto Aleixo [4].

Para concluir, a exposição da ciência como a única "religião" que abre todos os caminhos é tão infantil e ingênua (não queria dizer "burra", mas sou tentado a fazer isso) que não merece sequer um investimento de tempo (pelo menos, não no momento) para tentar dissertar sobre isso. 

Se o homem foi à Lua e assiste televisão é porque conseguiu avanços baseados no intelecto que lhe foi dado por Deus. 

Glória, pois, a Deus!



NOTAS:

[1] Ateus práticos são aqueles que não procuraram desenvolver sua crença na inexistência de um deus ou de qualquer realidade metafísica, e objetivam tão somente a polêmica em seu meio de convívio. Contudo, não aceitariam ou ridicularizariam uma conversa séria acerca de Deus que os impelissem a investigar os fundamentos de suas crenças.

[2] - Paul Hoff, O Pentateuco (São Paulo, Editora Vida, 2007)

[3] - Vários, Bíblia de Estudo de Genebra (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2009)

[4] - Elvis Brassaroto Aleixo, A Arqueologia Ampara ou Denigre a Bíblia? (http://www.saberefe.com/blog/a-arqueologia-ampara-ou-denigre-a-biblia/), 2011

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